Terceira Divisão e Cia. Adutora Rio Claro

Não sabemos ao certo quando Emmerich Flatschart deixou Minas Gerais e veio para São Paulo, mas sabemos que em 1928 ele estava trabalhando como eletricista na Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo (RAE), nas obras da Adutora Rico Claro na região da Terceira Divisão (Zona Leste de São Paulo).


Caderneta de Empregado da Caixa de Aposentadorias e Pensões da Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo

Em sua primeira carteira profissional não consta o registro como funcionário da Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo, talvez por ser esta uma empresa pública com regras próprias de contratação, mas podemos ver, pela primeira vez, um endereço comprovado de Emmerich no Brasil 3ª Divisão Adutora Rio Claro. É pura especulação, mas talvez morasse nos alojamentos ou casas dos funcionários desde a sua contratação em 30/10/1928.

Carteira Profissional de Emmerich – 1933
Carteira Profissional de Emmerich mostrando como endereço a Terceira Divisão – 1933

Na sua Caderneta de Empregado da Caixa de Aposentadorias e Pensões da Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo (RAE), expedida em 17/09/1936 novamente aparece o endereço, Adutora Rio Claro, porém agora especificando km 20. Nesta época, Emmerich já era casado com Linda Flatschart e seu filho mais velho Henrique (Heini) Bruno Flatschart (1936-1988) tinha 2 meses de idade.


Caderneta de Empregado da Caixa de Aposentadorias e Pensões da Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo

A Repartição de Água e Esgotos – RAE, foi o órgão público responsável pelos serviços de saneamento na cidade e desde 1925 pela construção da Adutora Rio Claro.

Adutora Rio Claro, por volta de 1950 – Fonte : Sabesp

A história da Adutora Rio Claro foi um marco no abastecimento de água da cidade de São Paulo trazendo água para o reservatório do Alto da Moóca. Segundo a Sabesp, atualmente o Sistema Rio Claro produz 4 mil litros por segundo e abastece 1,5 milhão de pessoas do bairro de Sapopemba, na Capital, e parte dos municípios de Ribeirão Pires, Mauá e Santo André.

O projeto foi revisto e aceito pela RAE em dezembro de 1925, que criou no ano seguinte uma comissão para executar as obras de adução. Trata-se da Comissão de Obras Novas do Abastecimento de Águas de São Paulo, comandada pelo engenheiro Henrique Novaes, tendo como principais colaboradores os engenheiros Luiz A. Vieira, Coelho da Rocha, Irineu Braga e Renato Nova Friburgo. Essa comissão foi criada com o objetivo de estudar um plano geral de abastecimento para São Paulo, buscando soluções completas e definitivas para abastecer uma população de 2.300.000 habitantes, elaborar o projeto definitivo de obras de adução do Rio Claro e executá-las.

Fonte : Dossiê Sistema Rio Claro
Adutora Rio Claro anos 1930, na Capela do Ribeirão (Taiaçupeba)
Fonte: Arquivo Histórico Municipal
Foto da Adutora Rio Claro na região da Vila Diva em 2017 – Fonte : História Vila Diva

Não é possível localizar hoje em dia com precisão o endereço Adutora Rio Claro km 20, Terceira Divisão, mas como referência podemos usar a atual Avenida Sapopemba já que esta segue o traçado da adutora, desta maneira, a região da Terceira Divisão é identificada nos mapas atuais na altura do número 30.000 da avenida Sapopemba.

Mesmo hoje em 2019, a região da Terceira Divisão ainda é pouco habitada e cercada de áreas verdes protegidas.

Vista aérea Terceira Divisão em 2019 – Fonte Google

Na Terceira Divisão nasceu, além do meu tio Henrique (Heini) Bruno Flatschart, meu pai Renato Walter Flatschart, meu pai. A família permaneceu nesta região até 1940, época em que se mudaram para Vila Prudente onde Emmerich foi contratado para trabalhar como mestre na empresa H. Klein & Cia. LTDA, fabricante de escovas de aço,

A fuga de Minas

Se existe uma cláusula pétrea em toda a história dos Flatschart no Brasil é a história de que Emmerich Flatschart veio a pé de Minas Gerais para São Paulo.

Quando criança ouvíamos sempre essa história, contada com sotaque alemão pela minha avó Linda, esposa de Emmerich:

Cerrrto que seu avô veio do Minas Gerais a pé…

Fugiu de Minas Gerias devido às péssimas condições do trabalho, veio a pé com um amigo, quando adoeceu no meio do caminho foi roubado e abandonado por esse amigo, ficou jogado na beira da estrada, foi acolhido por uma família que o tratou até a sua recuperação….bem, essa era a versão mais ouvida, mas havia inúmeras variações sobre esse tema 🙂

Talvez a versão definitiva da saga seja essa imortalizada em um trabalho escolar datado de 2012 da autoria de Laura Zaia Flatschart , bisneta de Emmerich:

Trecho de uma redação de
Laura Zaia Flatschart , bisneta de Emmerich Flatschart.
Trecho de uma redação de
Laura Zaia Flatschart , bisneta de Emmerich Flatschart.

Como diz o ditado italiano :

Se non è vero, è ben trovato…
Se não é verdade, é bem contado…
Wenn es nicht wahr ist, so ist es doch gut erfunden…

O que sabemos realmente sobre a “fuga” de Emmerich para São Paulo ? Onde ele estava ? Em qual cidade ? O que fazia lá ? Temos apenas os relato orais, mas podemos juntar algumas peças deste misterioso quebra-cabeça…

1 Emmerich teria ido para São João Dey Rei em Minas Gerais, junto com os demais austríacos que com ele estavam no Gelria, conforme mostra a lista de passageiros do navio. Não se sabe se São João Del Rei era o destino final ou apenas um lugar de referência que ele tinha.

2 Na ficha de desembarque do Gelria no Rio de Janeiro existe em anexo um contrato em português e alemão sobre terras na Colônia Quim-Quim em Uruçu pertencentes a Cia. Mucury no município de Teófilo Otoni em Minas Gerais. Não encontrei nenhum vínculo direto deste documento com Emmerich.


Contrato Colônia Quim-Quim (português)

Contrato Colônia Quim-Quim (alemão)

3 …era necessário povoar a região com lavradores livres, pois era contra a escravidão, e sua empresa “ Companhia do Mucuri” não possuía escravos. Por tanto, contratou a Firma “SCHLOBACH & MORGENSTERN” de um dos países de língua alemã, para recrutar, selecionar e transportar as famílias que teriam aqui, como colonos, amparo em todos os sentidos, por parte da Companhia Mucuri. Além de alemães vieram franceses, suíços, belgas, austríacos, holandeses e chineses das mais variadas profissões como: sapateiro, carpinteiro, ferreiro, oleiros, tecelões, seleiros, boticários, curtidores, padeiros, alfaiates, calceteiros, agrimensores, engenheiros, professores e pintores.

Fonte : Jorge Edim em Porque os alemães vieram para o Vale do Mucuri

4 Em 1922, 1923 e 1924 novas levas de imigrantes aportaram na cidade, trazendo inovação ao já combalido extrato germânico de Teófilo Otoni (novo nome que a cidade recebeu, em homenagem ao seu fundador). Com ânimo alimentado por novas idéias, o progresso retomou seu curso. As famílias se reanimaram com a chegada dos novos elementos, muitos casamentos aconteceram, uma vez que grande parte era de homens solteiros.

Fonte : Nilo Franck em Descendência alemã em Teófilo Otoni – MG – Brasil

5 Capital Mundial das Pedras Preciosas, é como Teófilo Otoni é conhecida, o maior centro de lapidação de pedras do Brasil. Emmerich declarou em seu passaporte a profissão de mineiro (mineur) apesar de declarar jornaleiro na lista de desembarque do navio.

Passaporte de Emmerich Flatschart

6 Não encontrei nenhum indício de imigração alemã / austríaca em São João del Rei, mas inúmeras colônias alemãs na região de Teófilo Otoni. São apenas pistas, algumas peças soltas de um gigante quebra cabeça que não comprovam nada ! Mas nos anos 1920 Teófilo Otoni teria sido um destino muito mais óbvio do que São João del Rei para um grupo de austríacos recém chegados ao Brasil.

7 De verdade e certeza nos resta a história de um jovem de pouco mais de 19 anos que veio de Minas para São Paulo em busca de melhores condições de vida…

Rio de Janeiro e Ilha das Flores

Conhecida como Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro é a segunda maior metrópole brasileira com quase 7 milhões de habitantes (2019) e certamente a mais famosa.


Rio de Janeiro, Avenida Central, 1925. Crédito: Coleção Guilherme Santos/Museu da Imagem e do Som em MultiRio

O porto do Rio de Janeiro é um dos mais importantes do país e era no século XIX e começo do XX a grande porta de entrada, juntamente com o Porto de Santos, dos imigrantes europeus.

A bordo do S.S. Gelria, Emmerich Flatschart chega ao Rio de Janeiro em 29 de novembro de 1925 conforme mostrado na lista de passageiros do navio.

Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1925 – Emmerich na lista de passageiros do Gelria

Os imigrantes que chegavam no Rio de Janeiro eram registrados pela Agência Central de Imigração e depois encaminhados para a Hospedaria da Ilha das Flores, na Baía de Guanabara.

Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1925 – Registro de entrada de Emmerich na Ilha das Flores

Após o desembarque na Ilha, os imigrantes eram imediatamente alojados nos dormitórios. Posteriormente, todos eram encaminhados para o Escritório da Diretoria, onde o escrivão realizava o registro dos imigrantes em livros, nos quais se anotavam a procedência, o nome do navio, a data de entrada, o número de ordem, o nome, a idade, o estado civil, a nacionalidade e a profissão de cada um.  Após o registro, os imigrantes passavam pelo consultório médico a fim de verificar o seu estado de saúde, prevenindo assim a entrada de doenças infectocontagiosas.  

Fonte : Museu da Imigração da Ilha das Flores
Vista panorâmica da Ilha das Flores. Sem data. Autor desconhecido. Coleção Marilene Martins de Almeida em
Museu da Imigração da Ilha das Flores
Desembarque de visitantes na Hospedaria de Imigrantes Ilhas das Flores. Sem data. Autor desconhecido. Coleção Leopoldino Brasil em
Museu da Imigração da Ilha das Flores

Pela lista de passageiros do Gelria, pode-se ver que de Emmerich e todos os demais austríacos (11 no total) do navio, se declararam jornaleiros de profissão e tiveram como destino São João del Rei em Minas Gerais !

Consulado Brasileiro em Viena

Não tenho informações sobre passagem de meu avô Ememrich Flatschart por Viena, apenas um carimbo em seu passaporte obtido no Consulado dos Estados Unidos do Brasil em Vienna com a data de 5 de novembro de 1925. Depois de apenas 6 dias, em 11 de novembro, Emmerich já estava em Amsterdam onde embarcaria no vapor Gelria rumo ao Rio de Janeiro.

Viena é a capital da Áustria e um dos nove estados austríacos. Com mais de 1,8 milhão de habitantes (2018) é a cidade mais populosa na Áustria contando, ainda, com 2,6 milhões de habitantes em sua região metropolitana – o que equivale a cerca de um quarto da população total do país.

Fonte : Wikipedia

Em 1925 esta era a aparência do centro de Viena 🙂

Wien am Graben, vermutlich um 1925 / © Bildarchiv SAGEN.at